Opinião
A vida é uma passagem
Estamos a falar de pintar uma mísera passadeira
À entrada da Guimarota – que infelizmente não fica no coração da cidade, onde tudo é floreiras e feiras e fotografias para as redes sociais do município – estão os despojos de uma pobre passadeira, da qual restam uns ténues vestígios de tinta branca.
Quem ali atravessa diariamente a estrada tem de rezar para não ser atropelado, porque uma habitual fila de carros parados num dos semáforos retira a visibilidade aos veículos que vêm na outra faixa, impedindo que qualquer peão seja visto.
Dos adultos, espera-se que sejam peões responsáveis, que terão mil cuidados, atravessando primeiro uma das faixas, esticando o pescoço para ver se na outra é seguro atravessar e agradecer como uma prebenda miraculosa chegar ao passeio oposto são e salvo.
Mas e os adolescentes, senhores?
Doutorada em reclamações pela Universidade da Vida, enviei um email civilizado ao vereador Carlos Palheira, que é responsável entre outras coisas pela “Gestão e Requalificação do Espaço Público”, alertando-o para o facto de a passadeira constituir um perigo, acompanhado de uma fotografia esclarecedora.
Recebi resposta no mesmo dia, com a promessa de que brevemente a passadeira iria ser repintada.
Passaram-se, entretanto, oito longos meses.
Bem sei que no calendário dos comuns mortais oito meses parecem muito tempo, se comparados com a agenda frenética dos autarcas.
Mas a verdade é que todos os dias dezenas de peões e centenas de automobilistas assistem impávidos e serenos ao perigo que representa essa coisa simples de atravessar uma estrada sem a marcação no pavimento que alerte os condutores para a necessidade de parar, enquanto a passadeira, essa, continua por pintar.
Nunca usei o privilégio que é ter, há mais de 30 anos, espaço nos jornais da cidade, para me queixar em causa própria.
Mas desta vez, senhor vereador, já cansa.
Convido-o a visitar a passadeira, pago-lhe um café ali bem perto para que possa sentir o que é ser munícipe da “segunda melhor cidade para se viver” e passados oito meses não ter uma mísera passadeira pedonal pintada.
É que não estamos a falar de resolver a vergonha dos edifícios moribundos que assombram a cidade, da falta de estacionamentos, dos edifícios comprados pela autarquia à espera de serem utilizados, como a antiga Caixa Agrícola e a antiga EDP, do topo norte do estádio por concluir, da rua Direita ainda com carros, da Ribeira dos Milagres poluída, do multiusos e da piscina ao ar livre que não temos, da falta de horários nas paragens Mobilis, dos wc´s que não temos no percurso Polis, da falta de campos de jogos e contentores em quantidade em todas as novas urbanizações, das zonas verdes que façam sombra para os peões que atravessam a cidade e que não temos.
Não, estamos a falar de pintar uma mísera passadeira. Meia dúzia de rectângulos em tinta branca. É pedir muito, não é?
Eu podia ir lá de madrugada e pintar. Mas com sorte, ainda apanhava uma coima.
Por “construção de património público” …