Opinião

A Paz que a Cultura traz 

4 mai 2023 16:35

Há sempre um lado de nós a descobrir-se, num aqui e agora de algum espanto, num recomeço qualquer

Ouvir, ler, ver, a criação de outros, ou criar, poderiam ser a única necessidade humana para a Paz. Não para a que se instala com o embalo, ou com a serena contemplação, que são também uma forma de Paz, mas para a que é gerada pela inquietação, ou pelo pensamento, sobre o que com maior ou menor intensidade nos encontra e nos obriga à reflexão.

Nesse encontro, colocamo-nos, ou melhor, somos colocados, numa perspectiva que não é a nossa, fazemos talvez, de novo, um caminho antigo, olhamo-nos por um outro lado, descobrimos que nunca havíamos pensado assim, tomamos partido, recusamos, ou tornamo-nos parte de algo maior.

Há sempre um lado de nós a descobrir-se, num aqui e agora de algum espanto, num recomeço qualquer, num pequeno acto primordial que se repetirá de cada vez que a criação nos atinge o âmago, ou apenas ao de leve, como um sopro ou um sorriso.

Ficamos mais nós, porque mais livres para olhar dentro e sentir; ficamos mais simples porque a emoção elimina todo o supéruo; ficamos mais prontos para o outro porque lhe adivinhamos a possibilidade de um sentir semelhante; ficamos mais felizes, porque sim. É isso, a Paz.

Nos últimos dias pude mergulhar em diferentes mundos e voltar deles com a certeza de ter um pouco mais dessa Paz como presente. Aconteceu-me primeiro a Ronda Poética, lugar de palavras, mas também da música e do movimento, que durante cinco dias provocou na cidade esse outro movimento das pessoas que se encontraram, se procuraram, se voltaram a cruzar, e finalmente se deixaram depois, repletas dos olhares para dentro, e para o Mundo, que cada poema tem.

Depois, Feedback, um solo performático de André Braga, intenso, telúrico, inicial, a ser de novo uma viagem por dentro de quem se é e do que se procura.

No dia a seguir, a leveza e a depuração de Metahall, a mediação de Inesa Markava ao lugar que outrora foi o espaço que o Banco das Artes agora é, então povoado por outras gentes, e mundos, aqui evocados.

E também a exposição Tipo Passe – Café Central, um registo fotográfico de quem pertence à cidade, em retrato voluntário, a tentar, talvez, encontrar quem se é, no registo do olhar do outro. E ainda Ophelia – Prelúdio das Águas, a instalação de Ana Luísa Cunha que conjuga a água e o corpo feminino em delicadíssimos desenhos feitos de aguarela e da palavra escrita, num caminho ondulante, dançante, em direcção a um ponto, imóvel, de luz.

Por fim Metadança, o espectáculo com coreografias de Mónica Monteiro e de João Fernandes onde dançam, respectivamente, antigos e actuais alunos da Escola Superior de Dança, a marcar o Dia Mundial da Dança com a entrega total, a frescura, e a alegria de quem persegue o sonho de dançar!

Poderá ser um pensamento sobre a inquietação provocada pelo que se nos apresenta; poderá ser uma inquietação nascida do pensamento que elaboramos perante o que nos é dado fruir; será sempre uma preciosa viagem interior, a acrescentar ao prazer desse encontro, e à incontornável partilha dessa fruição, ela também um dado essencial para a Paz.