Opinião

A noite mágica

3 jan 2025 11:13

Tudo se transformava e eu acho que as crianças sentiam na natureza forças e energias diferentes, que nunca se saberão bem explicar

Naqueles tempos, era eu um catraio de aldeia, o Natal era singular e único. O presépio era obrigatório em minha casa, porque o meu pai tinha dezenas de figurinhas, as mais bonitas já do tempo do meu avô. A Sagrada Família, mais o burrinho e a vaquinha eram perfeitos e muito bem pintados.

A apanha do musgo era uma alegria, nos sítios já conhecidos de muitos anos, nos pinhais onde não havia eucaliptos, limpos de mato. E nos recantos onde a humidade, livre das geadas, tornava o musgo verde e fluorescente. Arrancado com cuidado, enchíamos os cestos de verga com bom musgo, num instante.

No presépio, a cabana era central. E montes e vales, onde inevitavelmente serpenteava um rio, sempre com uma ponte. Os pastores com as suas ovelhas, o moleiro com o burro carregado de sacos de farinha, a mulher junto ao poço, o castelo e os reis magos, o fogueteiro, as igrejas e as casas, e um pedinte, que era sempre o primeiro a chegar à gruta ou cabana.

Nem dava conta que em muitas das casas da minha aldeia nem o presépio se fazia. Mas na igreja sempre se admirava o presépio, que era de todos. As “filhoses”, a Consoada e a Missa do Galo, eram também para todos.

Num tempo em que as noites caíam negras como breu (caso a lua nova não criasse a magia da claridade na noite), se o céu estava limpo, as estrelas rebrilhavam numa pureza tamanha, como nunca mais foi possível ver. E antes da meia-noite, no caminho para a Missa do Galo, na fundura da escuridão, de casas com janelas mal alumiadas pelos candeeiros de petróleo, ou petromaxes, numa aldeia que serpenteava ao longo da estrada de “macadame”, saiam vultos que se iam saudando: - Boa noite Ti Maria! Boa noite Ti António! Bom Natal, Manel! Santo Natal, ti Engrácia!

As prendas, só para alguns. Os brinquedos muito poucos. Umas meias, uns lenços, uns botins. Ou nada. Apenas a convicção que aquela noite era especial e que o dia era de celebração do nascimento do Menino-Deus em que acreditávamos.

A noite e o dia de Natal era muito especiais. Mesmo sem luzinhas eléctricas a piscarem nas frontarias das casas, mesmo sem dezenas de prendas para as crianças. Era o Dia especial. Tudo se transformava e eu acho que as crianças sentiam na natureza forças e energias diferentes, que nunca se saberão bem explicar.

E mesmo em tempo de pobreza para muitos, desde que não a pobreza da fome e da carência absoluta, esses tempos, para quem os viveu, deixaram nostalgia e saudade. Por melhor que se viva hoje em dia, sempre esses tempos serão inigualáveis.