Opinião

A Desumanização

14 out 2024 21:30

Quando perceberem que a universalidade dos direitos humanos é o garante dos direitos de cada um, já não irão a tempo

Escrevo este texto na manhã do dia em que me irei juntar ao que gostaria que fosse uma multidão de leirienses solidários com a Palestina - não foi, já sei, ainda antes de ter acontecido.

No último ano - não porque tudo começou há um ano, mas porque tudo se intensificou - a minha saúde mental, relacional e física tem sofrido choques provocados pelos sintomas generalizados de apatia, desdém, hipocrisia, ignorância, falta de empatia e simples crueldade.

Não que a minha saúde seja importante no cômputo geral das coisas. Muito menos quando confrontada com o sofrimento incomunicável (por mais que tente) de quem perece em Gaza, Rafah, Cisjordânia ou Beirute às mãos de um regime etno-genocida cujos mais altos dignitários se intitulam de “o melhor povo”, acusando quem denuncia a sua auto descrita superioridade étnica de “antisemitismo”.

É este o ponto a que se chegou: quem não aceita que um povo se ache superior a outro é que é acusado de preconceito.

Esta dissonância cognitiva devia ser só uma coisa que um grupo restrito de pessoas loucas dizia, sem ter qualquer eco.

No entanto, algumas das potências mais poderosas do mundo não só dão eco a estes discursos e ações perigosas, como armam e subsidiam aos milhares de milhões o regime que os suporta, em total impunidade.

Todos sabemos porquê, e uma avassaladora e desesperante maioria finge que não vê. Não defende, mas finge que não sabe. Quando vierem os museus, ninguém vai poder dizer que não sabia.

A frase “nunca mais” já deixou de ter sentido. Quando se lembrarem que a Convenção de Genebra foi feita para que não voltasse a haver hectares de corpos estropiados, para que não voltasse a haver nações inteiras despedaçadas pela violência da guerra, será tarde demais.

Quando perceberem que a universalidade dos direitos humanos é o garante dos direitos de cada um, já não irão a tempo. Quando sentirem na pele que se o Direito Internacional não é para ser cumprido por Israel, não é obrigatório para mais ninguém, já os seus filhos estarão a morrer numa guerra sem regras, sem salvaguardas, sem mínimos civilizacionais. Israel não está só a matar as vidas árabes no Médio Oriente - o que não é pouco. Israel está a matar a Humanidade.