Opinião
A casa
E era como se o livro se apoderasse dela, controlando-a.
Chegava todos os sábados de manhã pouco depois da livraria abrir. Deambulava entre os móveis num caminhar lento, pegava num livro ao acaso e abria-o, lia algumas frases, pousava, pegava noutro.
Fazia coisas peculiares como passear o dedo pelas capas ou cheirar as páginas; como se namorasse os livros e para os conhecer verdadeiramente precisasse de os tocar com todos os sentidos.
Por fim, optava por um e levava-o consigo. Sentava-se na cafetaria, pedia um café e começava a ler. E era como se o livro se apoderasse dela, controlando-a. O seu corpo transformava-se num reflexo do que lia, as suas expressões revelavam o que as palavras lhe transmitiam. Vivia o que lia, convertendo as palavras em expressão, em gesto, em respiração.
Havia pessoas por ali que a espreitavam, talvez curiosas, talvez fascinadas; tentavam ler no seu rosto o que poderia estar escondido no livro, como se esse rosto fosse uma janela para um mundo misterioso. (Ou um espelho?)
Quem a olhava percebia que, para aquela mulher, ler era uma forma de viver. Como se cada livro fosse um catálogo de possibilidades, um arquivo de emoções e pensamentos onde mergulhava para, momentaneamente, ser e sentir e pensar e sonhar diferente; não para fugir ao mundo mas para se reencontrar a si própria de modos alternativos, para descobrir em si novos caminhos, novos sonhos, novas liberdades.
Como se cada livro fosse uma casa:
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