Concorda com a intervenção na Igreja da Pena [Castelo de Leiria] que passa por instalar uma cobertura?
Sou do parecer que a Igreja tem de ser coberta para ser protegida. O estado de ruínas em que a Igreja se encontra agravou-se muito a partir de inícios do século XX, houve uma perda muito grande da expressão artística e de arquitectura. Do que podemos saber, a Igreja deteriorou-se mais no século XX desde que perdeu a cobertura. A arquitectura da Igreja tem um tecto. Aliás, seria um tecto mudéjar, de acordo com uma descrição do século XVII. É preciso que saibamos que a Igreja durante séculos teve cobertura e o facto dela ter estado durante quase 100 anos a descoberto deteriorou muito as peças escultóricas. E, portanto, era vital a cobertura para a Igreja sobreviver, não perdendo o que ainda subsiste daquilo que foi a gramática decorativa da Igreja. Se não se fechar a Igreja, em termos de cobertura, ela desaparece definitivamente.
Temos o dever de preservar o património tal como chega até nós ou cada época tem direito de o transformar e deixar uma marca?
Há o princípio da autenticidade naquilo que é preservado e naquilo que é recuperado ou restaurado. As questões da intervenção em património são sempre complexas, nomeadamente, num monumento em que há várias camadas históricas na sua composição. De uma forma geral, sou favorável a que se concilie a autenticidade do espaço arqueológico, do espaço arquitectónico histórico, com as vivências sociais contemporâneas. Os monumentos não sobrevivem se não forem vividos e se não estiverem ao serviço das pessoas. Quando são castelos, igrejas ou outro tipo de monumentalidade, temos de nos lembrar que eles foram pensados e projectados para pessoas. Tudo o que seja afastar as pessoas do usufruto desses monumentos e desse património, verdadeiramente não vai ao encontro daquilo que faz sentido na nossa relação com o passado, que é respeitá-lo, preservá-lo, valorizá-lo e vivê-lo. Aquilo que não é usufruído acaba por entrar em ruína e degradação.
A adaptação de uma parte do Mosteiro de Alcobaça a hotel, ou o aproveitamento de áreas do Mosteiro da Batalha para concertos, é um modelo de gestão em que se revê?
Revejo-me num modelo que seja o de dar vida, e de, com estes monumentos, dinamizar a comunidade. Por exemplo, sou favorável a que as comunidades locais tenham uma palavra a dizer nos planos de usufruto cultural dos seus monumentos. Acho que um mosteiro como o de Alcobaça ou um mosteiro como o da Batalha, ou outros monumentos que são nacionais, deveriam ter nas suas direcções elementos representativos da comunidade local. Estes monumentos pertencem às populações. Em primeiro lugar estão as comunidades que os edificaram e que [os] herdaram.
Nestes dois casos, as direcções respondem perante a Direcção Geral do Património Cultural.
Sim, e não é necessariamente obrigatória uma audição das comunidades. Por exemplo, [que] uma câmara municipal ou agentes culturais podem ser convidados a estar representados em áreas como aprovar um plano de intervenção durante um ano ou um plano de gestão cultural do monumento durante dois anos. Acho que faz parte da modernidade dos princípios de administração do património, nomeadamente, em termos de envolver as comunidades na gestão daquilo que está no seu território.
E faria sentido uma gestão directa pelos municípios?
Já há situações concretas em que isso avançou. Por exemplo, o Museu de Santa Joana, em Aveiro, cuja gestão foi transferida para a câmara municipal. Não vejo razão, estando pessoas competentes, técnica e cientificamente, para que tenham de depender de Lisboa em termos de contratualização de projectos. É evidente que no nosso País temos uma tradição de centralismo muito enraizada, mas têm de se dar passos no sentido da democratização dos processos de gestão dos nossos lugares culturais, nomeadamente, aqueles que são nacionais. Por outro lado, este património é muito importante para as comunidades locais no campo da economia do turismo contemporâneo e isso é vital para que haja progresso em termos de desenvolvimento do comércio ou criação de postos de trabalho. Estes monumentos ajudam a melhorar significativamente o tecido económico e a riqueza das comunidades, portanto, o turismo é positivo. O ideal é que estes fluxos turísticos não revertam só a favor de uma região, como seja Lisboa, e que possam também reverter a favor das regiões que têm os produtos, entre aspas, que oferecem para ser visitados.
Que as receitas possam ficar cá.
Em parte, sim. Nos últimos anos, o Forte de São Miguel no Sítio da Nazaré gerou um milhão de euros de receita para o município. É possível tornar o nosso património mais rentável e que essas receitas revertam a favor da sua preservação e sobretudo da população.
No caso dos mosteiro da Batalha e de Alcobaça...
...é tudo para Lisboa. Em todos os monumentos públicos nacionais a receita é gerida por Lisboa. As regras em Portugal, efectivamente, estão muito centralizadas no Ministério da Cultura, na Secretaria de Estado da Cultura. Talvez se possam melhorar algumas coisas neste campo. E porque não contratualizar gestores culturais que tenham projectos que envolvam outras dimensões artísticas, que não apenas a patrimonial histórica, em contexto de usos sociais do monumento. As coisas devem ser geridas de forma mais participativa e com mais confiança nas pessoas.
O que mais o surpreendeu até hoje na investigação que tem feito sobre Leiria?
Leiria e a região têm uma história muito grande, que vai à pré-história, vai aos tempos antes da génese do Homem, e, nesse sentido, tem um valor patrimonial, paleontológico, pré-histórico e histórico, de facto, formidável. O caso do menino do Lapedo tem importância para o conhecimento da Humanidade, da História. Outros exemplos: monumentalidades que foram construídas na região, com os recursos da região, pelas pessoas da região, como é o caso dos nossos monumentos mundiais, Batalha ou Alcobaça, que são monumentos que projectam esta região, na sua história, a uma escala internacional. Ainda há um défice de informação histórica imenso sobre Leiria e a sua região. A diferença entre um certo antes e um certo depois, desde os finais do século XX, [é que] finalmente começa a haver informação que resulta de uma investigação científica em arquivos, em escavações arqueológicas, em análise de história do património artístico, que começa a produzir informação para se poder compreender melhor aquilo que é o significado da região pelo seu passado.
Houve algum momento, nesse processo, de que não estivesse à espera?
São várias respostas, com vários exemplos. É interessante reconhecer que em Leiria há uma dimensão, quase diria estrutural, que a investigação nos vem revelar, que é a cultura de apego ao trabalho por parte das populações leirienses. É uma razão que vem da ruralidade profunda da região já nos tempos medievais. Mas, por outro lado, uma coisa que é interessante nesta região tem a ver com a capacidade de empreendedorismo privado das pessoas. Estamos numa região em que nos últimos séculos os poderes públicos investiram sempre muito pouco. O desenvolvimento em determinadas áreas, nomeadamente, industriais, já vem da Idade Média e revela esta cultura dos leirienses para o empreendedorismo. Não estão à espera do Estado para fazer por eles.
Os episódios do passado ajudam a explicar o espírito que encontramos hoje no plano social, cultural e económico.
E uma face da maneira de ser, da identidade dos leirienses. O amor ao trabalho, a resiliência, a capacidade de sobrevivência, o não desistir dos objectivos, mesmo que se tenha de emigrar. As gentes desta região nascem, são educadas, crescem em ambientes familiares e ambientes sociais que são muito motivadores e legitimadores de uma ética do trabalho. Agora, se me diz assim: isso é uma descoberta? É um reconhecimento. Nunca poderemos gritar “eureka”no universo dos arq
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