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Mário Laginha: “ensino musical torna as pessoas mais tolerantes”

8 jun 2018 00:00

Entrevista | O pianista e compositor diz que as escolas privadas são bolhas e defende que os professores deviam ser mais valorizados. Favorável à despenalização da eutanásia, lamenta que não haja uma cultura de diversidade.

Alexandra Barata

Qual foi o concerto que mais o marcou?
Não consigo reduzir a um. Houve uma vez um festival de jazz, na Macedónia, em que começámos a tocar e, ao fim de um bocadinho, estavam três mil pessoas histéricas. O concerto teve uma energia incrível.

Isso interfere no vosso desempenho?
Completamente. Há uma motivação enorme. Sabe-nos muito bem sentir que estão a gostar de nós e que o manifestem. O que muda é que uma pessoa toca melhor. Outro concerto mágico foi um em que toquei com o Bernardo Sassetti, na Festa do Avante. Tocámos, pela primeira vez ao vivo, um disco chamado Grândolas, que andava muito à volta de músicas do Zeca Afonso. As pessoas conheciam as letras e cantavam baixinho, para não se sobreporem ao piano. Foi incrível e comovente.

As pessoas cantarem não vos desconcentra?
Nada tira mais a concentração do que sentirmos que as pessoas não estão connosco. Por exemplo, quando estão a falar. Se o som que a plateia faz é por estar connosco, é preenchedor. Também destaco o concerto dos três pianos - eu, o Pedro Burmester e o Bernardo Sassetti – na Coreia. Tinham-me pedido para fazer o arranjo de uma canção que, para eles, é muito importante e, quando começámos a tocar, de repente, começaram todos a cantar baixinho. Também foi muito emocionante. Muitas vezes, aquilo que faz a diferença é a relação que se cria com as pessoas.

O comportamento do público varia de país para país?
Apesar de haver muitas coisas em que os povos são diferentes, com o público, as diferenças são um nadinha mais pequenas. Os orientais respeitam o silêncio até ao som do último acorde acabar. Batem palmas com um som muito forte e, depois, acabam de repente. Isso é desconcertante, porque, às vezes, estamos a levantar-nos para agradecer, eles calam-se, e ficamos meio pendurados. De resto, dizem que a Alemanha é um povo frio. A verdade é que tem uma grande cultura musical. Normalmente, o público é óptimo e super-caloroso, mas, se o concerto começa com cinco minutos de atraso, começa a ficar irritado. Mas irritado mesmo.

Qual o perfil do seu público?
São pessoas que têm o hábito de ouvir música e têm curiosidade de ouvir vários tipos de música. A faixa etária que predomina vai dos 40 para cima. Vão aparecendo jovens, mas a percentagem é menor. O mercado generalista da música afunilou muito o gosto de grande percentagem da população. As pessoas são bombardeadas com os hits e com o que está moda. Não há uma cultura de diversidade. Apesar de achar que a música que faço não é tão difícil assim, é uma música que não passa na rádio ou na televisão, a menos que seja às 3 da manhã.

Por que é que isso acontece?
Não há uma política cultural que cuide disto. Dá muito menos trabalho vender a Beyoncé, a Madonna ou o Ed Sheeran, que fazem músicas que entram no ouvido logo à primeira. É mais fácil as editoras dedicarem a sua energia a um artista que vende três milhões do que a 50, em que cada um vende mil. É um negócio. O estímulo e o apoio para se fazer outras coisas tem de vir de outro lado. Fico doente quando chamam “subsídio-dependente” a alguém que faz uma coisa que não tem âmbito popular e que é pago através de um apoio do Estado. Essas pessoas estão a receber dinheiro por um trabalho. Há música que é fundamental para a História da Europa - desde Bach, a Mozart, a Haydn, a Mendels, a Beethoven -, pelo bem que fizeram à alma das pessoas ao longo de séculos, mas só existiram porque havia mecenas. Reis e príncipes que gostavam de música e lhes pagavam. Para que haja uma grande diversidade na cultura será sempre preciso apoio.

Vive dos concertos que dá e da venda de CD?
Vivo, mas já não da venda de CD, porque as pessoas não compram, copiam. Um disco custa dinheiro a fazer. Se vender dois mil discos, que é um sucesso de vendas num disco de jazz, dá para cobrir o que se investiu. Por isso é que, agora, qualquer contrato para um disco inclui uma percentagem de todos os concertos. Um artista vai tocar e o dinheiro vai para os promotores, para os agentes e para a discográfica, porque já não lhes chega a venda de discos.

O que pensa do modelo de ensino da Música nas escolas básicas?
Está provadíssimo que o ensino musical ajuda no desenvolvimento do raciocínio matemático e torna as pessoas mais tolerantes. Se isso for feito desde criança, habituam-se a dar valor à diversidade e isso é uma riqueza imensa. O ensino musical devia ser obrigatório desde a primeira classe. 

Projectos como os Concertos para bebés são importantes?
Já participei em alguns. São fantásticos. Têm muita graça e são muito originais. São inteligentemente feitos, porque a mensagem mais importante é passada aos pais das crianças. O próprio Paulo [Lameiro] o diz: é mais importante a música que ouvem em casa, porque isso é que dá a continuidade.

Não é demasiado redutor só se ensinar flauta no ensino básico?
É melhor do que nada, mas tinha de ser feito um programa inteligente, que misturasse o lado das apetências musicais e dos ritmos e algum conhecimento da música que se foi fazendo ao longo dos séculos. Ouvirem música e, aos poucos, dizer-lhes para experimentarem fazer certos ritmos. Fazer a coisa começar de uma maneira que eles não fechassem a porta, como acontece com outras disciplinas. Há maus alunos a Matemática, não porque não tenham raciocínio matemático, mas porque nunca foram estimulados numa boa direcção.

Está a referir-se à falta de qualidade de alguns professores?
Sim, e dos programas. As pessoas sozinhas não podem fazer milagres. Um dos passos fundamentais para que o ensino seja bom é a valorização dos professores e, cá, desvaloriza-se os professores. Os professorem sentem-se desmotivados, injustiçados, ganham mal e isso passa para os alunos, que os respeitam menos. Se houvesse uma imagem da importância que eles têm e do respeito que merecem, tudo isso melhoraria, seguramente, o ensino. A Educação é fundamental.

Tem boa imagem do ensino público?
Tenho uma óptima imagem. Também frequentei o ensino público. O meu filho andou num colégio até ao 4.º ano, mas tive a percepção de que era uma bolha. Os amigos são filhos de pessoas que têm algum dinheiro, não têm grandes preocupações, têm tempo para estudar e praticam desporto. Aquilo que uma pessoa deseja para os filhos. Mas ele não se confrontava com os outros e eu não gosto nada da ideia de um filho meu crescer a não conhecer a realidade, o que é o mundo. Claro que uma pessoa também tem algum medo, porque, por vezes, as escolas são vítimas dos sítios onde estão implantadas. Numa zona muito pobre dos subúrbios de Lisboa, já sabemos que provavelmente as escolas têm mais problemas. Não c

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