Entrevista

Jorge Santos: “Na região de Leiria somos pouco ‘calimeros’, tentamos resolver os nossos problemas aqui”

13 fev 2025 12:00

O dinamizador do CR Inove - Catalisador Regional de Inovação da Região Centro, apresenta esta iniciativa pioneira que liga a academia às empresas. Na região Centro, existem já 40 acordos, 19 dos quais em Leiria, que permitem que empresas lancem desafios à academia e que projectos académicos ganhem vida no mundo real

Jorge Santos, empresário
Ricardo Graça
Jacinto Silva Duro

No que consiste o projecto de colaboração entre a academia e as empresas CR Inove?
Em 2022, fui convidado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) para ser o dinamizador do CR Inove - Catalisador Regional de Inovação da Região Centro. Há muito que há queixas de que as estruturas empresariais e os sistemas de ensino e investigação não colaboram e o professor Anselmo Castro propôs à CCDRC preencher este espaço com alguém independente que fizesse a ligação. Assim, o CR Inove funciona em duas vertentes, a partir da academia e a partir das empresas, qualquer que seja o seu sector de actividade. Isto é, se houver projectos académicos interessantes e resultantes de investigação, que possam ser lançados e desenvolvidos, as empresas apadrinham o seu desenvolvimento para o mundo real. Do lado das empresas, caso haja a necessidade de uma ferramenta ou de outra necessidade às quais não conseguem dar uma resposta internamente, podem lançar um desafio à academia, para que auxilie na concepção de uma solução. Estas informações são partilhadas com os pivôs que as levam a potenciais interessados, num trabalho de parceria muito prático e sem verbas envolvidas. Os pivôs funcionam como catalisadores, já que os institutos e universidades não estão vocacionados para esse passo em direcção às empresas e estas também não o fazem em direcção ao ensino superior. As empresas não podem desperdiçar o trabalho e o investimento que o País faz na investigação. Nós, os dinamizadores, trabalhamos em conjunto e damos alguma orientação e apoiamos na identificação da rede de parceiros. Este projecto representa algo de que familiahá muito tempo se fala, mas nunca tinha sido feito de uma forma tão clara e tão sistematizada. Existe um método de trabalho, um plano e as coisas estão a ser feitas com pés e cabeça.

Quem são os parceiros regionais nesta iniciativa?
Temos a Nerlei CCI - Associação Empresarial da Região de Leiria, a Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria e o Instituto Politécnico de Leiria que são os principais, além da Acilis, do Centimfe, da Open ou da Startup Leiria. O grande mérito do CR Inove é que não estamos a falar só em ligações com a sub-região de Leiria, mas da interacção com diferentes sub-regiões, no âmbito da CCDRC. Temos empresas a trabalhar com estabelecimentos de ensino superior e com centros de investigação de outras regiões e vice-versa. Assim, pode haver uma empresa de Leiria a colaborar com a Universidade de Aveiro ou com a da Beira Interior. Existe uma coordenação e partilha de experiências permanente pela CCDR, através de uma plataforma que permite saber o que se está a investigar e quais os desafios lançados por investigadores, para proceder à ligação com as estruturas empresariais. Na região Centro, há já 40 acordos e 19 são da sub-região de Leiria. Temos tido uma adesão cada vez maior das instituições de ensino e das empresas. Temos PME, temos grandes empresas e instituições públicas e até IPSS do terceiro sector. Nesta última área, existe muito espaço para actuar e gerar valor, reduzindo custos e aumentando a eficácia.

O objectivo é acelerar a economia?
Tivemos, em Portugal, uma percentagem de quase 3% do PIB dedicado à investigação, mas isso não se notou no crescimento da riqueza. Investigou-se e criaram-se muitas patentes, mas não transferimos isso para o mercado e para aquilo que nos interessa: criar valor para todos, pelo desenvolvimento e criação de melhores salários e aumento do poder de compra. Não basta aumentar o índice global do PIB, só porque temos mais pessoas a trabalhar, mas porque cada pessoa gera mais valor. É isso que nos falta e nos diferencia negativamente em relação a outros países. Temos de acelerar muito depressa para transformarmos isto em valor. Queremos que o impacto na economia do custo de cada unidade investida neste projecto, seja exponencial.

A nossa região aposta bastante na tecnologia, dado o legado proveniente da indústria dos moldes e plásticos. O que falta para que avance a criação do centro tecnológico Leiria Innovation Hub?
Esse é um processo que está a ser acarinhado pela região e particularmente pela Câmara de Leiria. Tenho conhecimento do processo em termos gerais e é um assunto importante, que está na agenda. A nossa região é conhecida pelas nossas várias indústrias transversais. Quando eu era presidente da Nerlei, houve uma ideia, que depois foi potenciada e resultou no grupo de trabalho TICE.Leiria, que junta empresas de tecnologia da região. Conseguimos uni-las e potenciar um trabalho em conjunto e, de facto, temos um peso grande também nessa área, que é muito complementar com aquilo que temos na indústria. Ter um hub na área da TICE ou ter um innovation hub, é fundamental. É um acelerador também do crescimento e complementa muitas actividades. Não podemos viver na indústria sem tecnologias e sem a digitalização e com a entrada da Inteligência Artificial nos processos, estas questões colocam-se com cada vez mais acuidade e necessidade.

O que pode fazer o sector dos moldes e plásticos na nossa região, para combater a estagnação do mundo automóvel e captar investimentos semelhantes ao da Lufthansa Technik, em Santa Maria da Feira, que criará 700 empregos?
O sector tem de perceber que as condições do mercado alteraram. A indústria automóvel está a mudar e o cenário não voltará a ser como antes. Se calhar, temos uma oferta maior do que a procura, que caiu a nível mundial. Investimos muito fortemente e ficámos com capacidade excedentária. Como aconteceu com o ramo da construção em 2008, terá de haver um processo de reajuste. A teoria da selecção natural de Darwin refere a sobrevivência dos organismos mais bem adaptados ao novo paradigma e, infelizmente, teremos muitas empresas a fechar, muitos dramas pessoais e familia res, e muitos empreendedores que deram muito à indústria e ficarão em situações complicadas. Será assim até ao mercado estabilizar. Teremos de procurar novos modelos de negócio, novas abordagens, novos mercados, novas formas de trabalhar. Em relação a investimentos na região, nunca estivemos no radar da AICEP [Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal] para o investimento externo. A AICEP fala sempre de outras regiões e nunca de Leiria. Isto tem uma coisa boa e uma má. Por um lado, na região de Leiria somos pouco “calimeros”, tentamos resolver os nossos problemas aqui e não andamos à procura de alguém que o venha cá fazer. Sempre fomos pro-activos. Contudo, imagine uma empresa industrial que se instale aqui e necessite de mil pessoas. Se já existem dificuldades de recrutamento e na habitação, onde se alojam estas pessoas? Melhorar os transportes e o TGV pode ajudar, claro, e as TICE também podem fazer crescer a região, não já na parte industrial e na manufactura, mas no digital, na massa cinzenta e, se calhar, com projectos com uma dimensão menor, mas com maior valor acrescentado e empresas internacionais. A Startup Leiria conta com 170 empresas incubadas e está sem espaço para mais. É fantástico! Em 2012, na antiga IDD, só tínhamos 30% de espaço ocupado... A Europa vai investir mais em defesa e, ou fazemos cá ou vamos comprar fora… por isso, os sectores da aeronáutica e da defesa serão o futuro. E quando falo de defesa, não estou a falar apenas de armas. Serão necessárias rações de combate, fardas, equipamentos diversos... muita coisa. Em Pombal, há já uma empresa de maquinação que trabalha há muito para a aeronáutica e, na Marinha Grande, a Emmad faz embalagens para asas de aviões. Bastou mudar um pouco o modelo de negócio.

Perante as ameaças e proteccionismo do presidente Trump, para que novos destinos se devem as empresas voltar?
Se estivéssemos agora num avião e nos avisassem de uma tempestade com muita turbulência, o que faríamos? Púnhamos os cintos e teríamos uma série de cuidados. Nós estamos num avião e já não podemos sair. Não vamos evitar a turbulência. Os pilotos - os nossos governantes da UE - ainda podem ir controlando, mas será difícil. Estamos no meio de uma Trumpulência. Temos de pensar na nossa vida e no nosso negócio, temos de ter um plano que se vai ajustando e adaptando a novas situações, precisamos de uma situação sustentável nas empresas, para que não sejamos tão afectados. Temos de conseguir perceber como, na região e no País, trabalharemos em conjunto para gerar mais valor ao cliente e para conseguirmos novos modelos de negócio. Trump ameaçou-nos com tarifas de 25%, mas sabe quanto pagamos em tarifas para o Brasil? Nalguns produtos, as tarifas de importação podem chegar aos 35%. Acontece há anos e ninguém se queixa. Um mercado tão grande, nosso irmão, e temos tarifas elevadíssimas na maioria dos produtos. Isso não é proteccionismo? Não estou a defender Trump. Estou a dizer que temos de ser equilibrados nas análises, pois é mais fácil exportar para os Estados Unidos do que para o Brasil. Temos receio daquilo que Trump faz, porquê? Porque não estamos devidamente sustentados, não temos uma liderança europeia forte, não somos competitivos, estamos a perder a competição e a perder peso em termos internacionais. Na UE, somos demasiado reguladores e não criamos facilidades no mercado. Mas Portugal é um país pequeno, somos inteligentes e podemos ser ágeis, no meio disto tudo.

Carreira

Empreendedor e multifacetado

Natural da Marinha Grande, Jorge Santos fez o ensino secundário na Escola Calazans Duarte antes de prosseguir para o ensino superior.

Conta que sempre sentiu que a sua vocação seria nas áreas da Economia e da Gestão.

“Ingressei na Universidade Nova porque uma amiga também foi para lá. Ela disse que tinha inscrito e eu fui”, conta. Foi aí que percebeu que, afinal, queria Gestão.

“No segundo ano mudei para o ISCTE, onde concluí a licenciatura em Gestão. Depois, comecei a trabalhar nos plásticos, na Molding e, em paralelo, ao fim-de- -semana, fazia a contabilidade de empresas dos moldes.”

Seguiu-se a Vidroplás, embarcando, logo depois, na criação da Vipex, com o empresário Olímpio Caseiro.

“É uma pessoa a quem estou muito grato e fizemos um grande trabalho.”

Foi docente na área de Marketing, nas escolas Superior de Tecnologia e Gestão e Superior de Turismo e Tecnologia do Mar do Politécnico de Leiria. Em 2011, com 49 anos, conjugando o emprego com a investigação, concluiu o doutoramento nas áreas do Marketing e do Comércio Internacional.

Foi presidente da Nerlei CCI, esteve ligado à incubadora Pedro Nunes, foi vice-presidente da APIP, passou pelo Conselho de Administração da Garval e, actualmente, dirige a Plastimago, do Grupo Socem, além de ser assessor estratégico em empresas que pretendem maximizar negócios.



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