Entrevista

João Galamba: “Primeiros projectos de uso de hidrogénio verde têm entrada prevista em funcionamento no decorrer do ano de 2023”

23 dez 2022 16:42

Secretário de Estado do Ambiente e da Energia, analisa as medidas destinadas à redução da dependência dos combustíveis fósseis russos e anuncia a entrada em funcionamento, em 2023, dos primeiros projectos empresariais nacionais já a usar hidrogénio verde

João Galamba
DR
Jacinto Silva Duro

No seguimento da invasão russa da Ucrânia e consequentes sanções contra a Rússia, que colocaram em destaque a grande dependência da União Europeia de fontes de energia na zona em conflito, foi proposto o Plano REPowerEU, que prevê a poupança energética, a produção de energia limpa e a diversificação do aprovisionamento energético. Especificamente, quais são as medidas propostas nestes objectivos?
O REPowerEU assenta num conjunto vasto de medidas em três domínios. A saber: a poupança de energia, a diversificação do aprovisionamento energético e a produção de energia renovável. A forma mais barata, mais segura e mais limpa de reduzir a dependência dos combustíveis fósseis russos é a redução do consumo de energia. Nesta matéria, o REPowerEU enuncia medidas de curto prazo que visam reduzir a procura de gás e petróleo em cinco por cento, cada, e medidas de médio prazo – a concretizar até 2027 - que permitirão reduzir o consumo de gás natural em 30%. Entre outros elementos o REPowerEU estabelece uma meta de 13% de eficiência energética. No que respeita à diversificação do aprovisionamento energético, o REPowerEU tem como objectivo construir parcerias de longo prazo impulsionando a energia renovável e aumentando a eficiência energética em todo o mundo. Destaca-se neste contexto a EU Energy Platform com o objectivo de reunir a procura, coordenar a utilização das infraestruturas, negociar com os parceiros internacionais e preparar compras conjuntas de gás e hidrogénio. Por fim, as energias renováveis que são a forma mais barata e limpa de energia disponível e podem ser geradas internamente, reduzindo a necessidade de importação de energia. O REPowerEU propõe uma meta de renováveis de 45% até 2030 e, para alcançá- la, prevê a adopção de um conjunto de medidas que incentivam os projectos de energia limpa, designadamente no que diz respeito aos gases renováveis como o hidrogénio e biometano.

A expansão do aprovisionamento de gás no Carriço (Mata do Urso), no concelho de Pombal, com a criação de mais cavidades subterrâneas, faz parte da meta do aprovisionamento?
A criação dessas novas cavidades no Complexo do Carriço está relacionada com a necessidade de acrescentar capacidade de armazenamento àquela que já é, actualmente, existente, e consiste na manutenção de gás natural em cavernas subterrâneas, sob pressões elevadas, para gestão dos fluxos comerciais de gás natural, mas também para a constituição de importantes reservas estratégicas nacionais e, ainda, para fins operacionais. Portugal conta com essas instalações de armazenamento de gás natural no Carriço, em cavidades construídas em formações salinas naturais, localizadas a grande profundidade, interligadas com uma estação de gás que gere a injecção, a partir da rede de transporte, com recurso a compressores ou à sua extracção com sistemas de desidratação do gás natural para posterior injecção na rede de transporte, nas condições técnicas adequadas.

A adopção de fontes limpas passará pela adopção da produção de hidrogénio a partir de fontes renováveis como a solar e o vento? A capacidade instalada nestas fontes é suficiente para cobrir as necessidades nacionais?
Portugal tem desenvolvido uma estratégia coerente com o estabelecido no seu Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), que está, actualmente, em processo de revisão tal como referido no Regulamento Europeu que estabelece a obrigação de apresentação deste plano. O objectivo do Governo é a promoção da descarbonização da economia e a sua transição energética, visando a neutralidade carbónica no ano de 2050, enquanto oportunidade para o País, assente num modelo democrático e justo de coesão territorial, que potencie a geração de riqueza e o uso eficiente de recursos. Como resultado da aposta na instalação de centros electroprodutores de fontes renováveis, em 2020, superámos a meta definida de 31% de percentagem de energia renovável no consumo final de energia, chegando mesmo à marca dos 34%. Atingimos marcos importantes como o aumento em cerca de quatro gigawatts de capacidade instalada em renováveis entre 2015 e 2022 e ainda ultrapassámos a barreira dos dois gigawatts - 2,4 GW em +Setembro de 2022 - de capacidade instalada no solar fotovoltaico que comparam com os 454 MW instalados em 2015. Além disso, tendo em conta todos os projectos de renováveis previstos em Portugal, a meta de 80% de renováveis na produção de electricidade para 2030 poderá mesmo ser antecipada já para 2025 ou para 2026.

Daqui a quanto tempo poderemos esperar ver uma reconversão na indústria para o hidrogénio? Haverá apoios para as empresas para a reconversão, atendendo que se trata de uma matéria-prima um pouco mais difícil de trabalhar, dada a sua volatilidade e maior necessidade de sistemas de segurança?
Não é preciso esperar, já observamos a existência de inúmeros projectos industriais que prevêem a substituição do consumo de gás natural por hidrogénio verde, ou seja, de origem renovável, de produção fotovoltaica ou eólica. Este processo tem mesmo vindo a ser acelerado uma vez que as empresas enfrentam uma volatilidade dos preços do gás natural sem precedentes. Faço notar que a produção e utilização de hidrogénio não é uma novidade em Portugal, pois já existem empresas que produzem e consomem hidrogénio há décadas, só que esse hidrogénio é ainda produzido a partir de combustíveis fósseis. Portugal lançou já apoios ao investimento como é o caso do Aviso POSEUR em 2020, destinado a apoiar iniciativas de produção de gases de origem renovável para auto-consumo e ou injecção na rede e o primeiro Aviso no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência enquadrado na “Componente C14 – Hidrogénio e Renováveis”, para a produção de hidrogénio renovável e outros gases renováveis. Ambos os Avisos tiveram resultados muito satisfatórios e os primeiros projectos de uso de hidrogénio verde têm entrada prevista em funcionamento no decorrer do ano de 2023.

Um conjunto tão abrangente de alterações levará a novas oportunidades de negócio para as empresas nacionais? Quais, por exemplo?
O caminho para a neutralidade carbónica já está a impulsionar o investimento em novas tecnologias e produtos em Portugal. Um dos exemplos paradigmáticos das oportunidades que surgem para as empresas nacionais é o caso do hidrogénio verde de que falámos. Neste momento, apenas no cluster de Sines, está em curso um conjunto de projectos de hidrogénio verde que, se plenamente concretizados, representarão investimentos da ordem dos milhares de milhões de euros, uma capacidade instalada de +3 GW, uma produção de H2 (Hidrogénio molecular) de aproximadamente 950.000 toneladas por ano e uma produção de metanol, amónia e e-fuels de aproximadamente 1.800.000 toneladas por ano. Outro exemplo, são as baterias, enquanto elemento indispensável às transições energética e digital. Neste domínio, estão já sinalizadas várias iniciativas que visam, entre outros objectivos, criar capacidade de produção de baterias em território nacional durante a próxima década, beneficiando do facto de Portugal ter, nas reservas de lítio, uma importantíssima vantagem competitiva face aos seus parceiros europeus. Além disso, temos ainda a indústria da energia eólica que, ao dia de hoje, já conta com empresas importantes sediadas em Portugal, resultado da aposta que foi feita nos parques eólicos onshore, criados nas últimas décadas. Esta indústria sairá reforçada e terá um crescimento exponencial, assim que se começarem a desenvolver os projectos de offshore no nosso País. Não querendo entrar em detalhes de empresas, mas veja-se o caso da empresa de Leiria PRF, que participa em inúmeros empreendimentos de hidrogénio dentro e fora do País e está a expandir as suas instalações para assim dar resposta ao crescimento do mercado.

Atendendo ao know-how e capacidade instalada em Portugal, teremos capacidade de criar hubs tecnológicos e valor acrescentado para o nosso tecido empresarial?
Não tenho a menor dúvida que o País tem capacidade para responder a esse grande desafio. O sucesso no caminho para a neutralidade carbónica não só é compatível com o crescimento económico, como também passa pela reindustrialização do nosso País, incluindo o esforço no desenvolvimento e na consolidação de cadeias de valor como as baterias ou a produção de hidrogénio verde, que, anteriormente referi e que abrem boas perspectivas do aumento do número das exportações nacionais.

No território da UE, temos assistido a um aumento de empresas e sectores com obrigatoriedade de certificação ambiental. Bastas vezes, essa obrigatoriedade acontece por acção do público e não é decorrente de legislação. No futuro, em Portugal, as empresas que não apostam na sustentabilidade ambiental terão o seu futuro mais complicado?
Quanto mais cedo as empresas apostarem na sustentabilidade, na circularidade e na descarbonização, mais bem preparadas estarão para enfrentar os desafios do futuro que se lhes colocarão. Diria mesmo, que a aposta na sustentabilidade é, presentemente, um importante factor de diferenciação positiva. Sabemos e já todos vimos que os clientes não são alheios ao registo ambiental das empresas e chegam mesmo a tomar decisões de consumo com base no desempenho ambiental dos produtos que consomem no quotidiano.

Perfil
Da Economia para a política
João Galamba nasceu em Lisboa, em 1976. Licenciou-se em 2000, em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Concluiu a parte lectiva do Doutoramento em Ciência Política na London School of Economics, tendo leccionado Filosofia Política no Departamento de Government. Trabalhou no Banco Santander de Negócios, na consultora Diamond Cluster International, na Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia e na Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados. Chegou à Assembleia da República em 2009, sendo deputado na XI, XII e XIII Legislaturas. Foi secretário de Estado adjunto e da Energia do XXII Governo Constitucional. Hoje, é secretário de Estado do Ambiente e da Energia do XXIII Governo Constitucional.