Entrevista

Inês Thomas Almeida: “As mulheres compositoras morrem duas vezes. São condenadas ao esquecimento”

3 out 2024 09:15

A musicóloga diz que o apagamento histórico das mulheres é provocado pelas gerações seguintes e constantemente revalidado (fotografia de Ricardo Graça)

Canções de Robert Schumann que afinal são de Clara Schumann, é um caso paradigmático
Ricardo Graça

Nasceu em Santo Domingo, na República Dominicana, filha de mãe dominicana, mas a família do pai tem raízes em Leiria, que remontam ao primeiro Barão do Salgueiro.

Investigadora e docente da Universidade Nova de Lisboa, a musicóloga Inês Thomas Almeida é especialista na música portuguesa dos séculos XVIII e XIX e concluiu recentemente um pós-doutoramento em música renascentista. Dedica-se, também, a estudar o papel das mulheres na música ao longo dos séculos. Colabora com a Fundação Calouste Gulbenkian e com o Teatro Nacional de São Carlos e até 2016 viveu na Alemanha, onde fundou a associação Berlinda, de apoio à comunidade portuguesa. Estudou piano e é licenciada em canto lírico, tendo chegado a actuar como solista em espectáculos de ópera. E foi actriz no Teatro A Barraca.

Regressa com frequência a Leiria, onde passou vários verões durante a infância, na casa da família no Terreiro e na antiga Quinta da Carvalha.

A sua trisavó Elisa Paiva Curado, escritora, activista feminista, fundou e dirigiu a revista A Mulher, ainda no final do século XIX, em Lisboa. Quase 150 anos depois, como é que ela olharia para os dias de hoje, em geral, na sociedade portuguesa, mas não só?
Acho que ela estaria muito contente, porque várias das coisas porque se batia tornaram-se uma realidade, não para todas, mas para muitas mulheres. Uma grande questão dela era o direito à educação. Ela, e na altura isto era uma coisa revolucionária, advogava que as mães deviam educar os filhos também intelectualmente. E, para isso, tinham de se educar elas próprias. Então, a tónica dela era a importância de as mulheres terem acesso à educação. Poderem ir à universidade, poderem trabalhar, poderem votar, poderem aceder à esfera pública. É claro que há muitas desigualdades ainda. Desigualdade salarial [e] mesmo uma desigualdade percepcionada, aquela ideia que continua a ser muito veiculada, de que as tarefas domésticas, cuidar dos filhos, tem de ser uma parte apenas e só das mulheres. Mas, regra geral, parece-me que a minha trisavó estaria bastante contente por ver que várias das suas propostas foram aceites, nomeadamente, a lei do divórcio.

Ainda sobre a emancipação da mulher, na academia, ou seja, nos centros de investigação, nas universidades, é uma realidade plena?
Não, claro que não. Há mais mulheres do que homens na licenciatura, e depois, à medida que vamos avançando, a partir do primeiro filho, a carreira para as mulheres decresce vertiginosamente. A partir dos 25, 30 anos, começamos a ver que há menos mulheres no topo. Tem de haver políticas que contrariem esta tendência infelizmente extremamente marcada de que a maternidade é uma desvantagem profissional para as mulheres. Por outro lado, independentemente da maternidade, nós vemos que na base temos imensas mulheres, mas à medida que subimos, a presença das mulheres vai ficando cada vez mais rarefeita. Não é só na vida académica, na vida empresarial [é] a mesma coisa. São questões estruturais que acompanham todas estas dinâmicas laborais. Não há um problema pequenino, há toda uma estrutura que tem de ser mudada.

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