Depois de dez anos a morar em Lisboa, regressou a Leiria em 2010. Porquê?
Leiria conseguiu trazer de volta as pessoas que foram para fora, contactar com outras culturas, estudar, ter experiências novas, fazer voluntariado. Isso é de uma potencialidade brutal. A minha família é da Guarda e a grande questão que se coloca é como se consegue fixar os jovens? Fala-se no interior, mas há mais interior do que Madrid?
Mas há assimetrias notórias no litoral e no interior de Portugal. No interior, não há emprego, estão a fechar centros de saúde e estações dos correios.
São notórias por uma questão política. Os serviços estão a fechar em todo o lado. Uma das razões que me fizeram voltar foi ter os meus pais em Leiria, mas a cidade está a criar condições que levam as pessoas a ter vontade de regressar. A cidade ganhou com isso, pois estão a fazer festivais, a abrir empresas e lojas, e outros dedicam- se à música.
Quais são as características distintivas de Leiria?
O Politécnico fez crescer e evoluir a cidade. Se houver oportunidades de emprego para fixar essas pessoas, Leiria também vai crescer. Isso sucedeu na Covilhã. Depois, a cidade ficou mais agradável com o Polis. Deu-se o fenómeno das caminhadas, das corridas, de andar de bicicleta. A cidade está arranjada. A Praça Rodrigues Lobo, antigamente, tinha dois cafés e hoje é o centro de encontro de todas as pessoas e de múltiplas gerações. Vivi na Almirante Reis, que é uma zona antiga de Lisboa, e uma das coisas que me incomodavam era ver pessoas de idade à janela, sozinhas o dia todo. Este desprendimento da família é uma coisa que me aflige. Em Lisboa, cada um está por si. Sempre me fez impressão entrar no metro e as pessoas estarem paradas a olharem umas para as outras, sem comunicarem. Nota-se um vazio.
Foi isso também que o fez regressar a Leiria?
A qualidade de vida, o tempo, a proximidade com a família e com os amigos. Em Lisboa, as pessoas não têm tempo. Devíamos trabalhar menos horas. Em Portugal, vive-se o culto do trabalho. Fiz estágios em Lisboa, em Vila das Aves, na Escola da Ponte, no Algarve e nota-se a diferença entre os alunos. Nuns casos mais calmos e mais educados, em Lisboa mais stressados.
Como foi a experiência na Escola da Ponte?
A Escola da Ponte é um encanto. A escola tem de educar para o futuro. Os alunos têm de ir em busca do conhecimento e ali fazem isso. Quando cheguei, quem me apresentou a escola foram dois miúdos. Não apareceu nenhum adulto.
Por que é que há tanta resistência a adoptar modelos como o da Escola da Ponte?
Porque dá muito trabalho. Um aluno que sabe e que aprende não dá trabalho nenhum ao professor. Um aluno que tem insucesso dá trabalho ao professor transformá-lo. Na Finlândia, o curso para se ser professor é dos mais exigentes. Para se ser professor devia ser-se de excelência. Tem de se ter um prazer enorme em estar ali. Se as pessoas não gostam daquilo que fazem, como é que vão transmitir algo de positivo?
Qual a reacção dos alunos do 1º ciclo aos colegas diferentes?
Um dos grandes fascínios de dar aulas no 1º ciclo é a pureza dos miúdos. Tenho um aluno com défice cognitivo, e que não consegue falar, e é uma lição de vida ver a forma como os colegas respeitam a diferença. Apesar de não ter motricidade fina, se faz um desenho, todos o elogiam. Sente-se integrado e faz tudo o que os outros colegas fazem, porque já criou essa exigência nele. Todos os alunos que tive diferentes, os colegas respeitavam-nos. Fala-se em homossexualidade e os miúdos respeitam. “Ó professor, mas qual é o problema?” Mais tarde, se calhar, vai perder-se esta essência.
Sendo o Jardim-Escola João de Deus uma IPSS, tem crianças de diferentes classes sociais. Como é que se gere essa diferença, tendo em conta que não têm acesso às mesmas oportunidades, como ir a um espectáculo ou comprar um livro?
Nem todos os alunos têm a oportunidade de comprar um livro, pelo que das primeiras coisas que fazemos é o cartão de leitor da Biblioteca Municipal e se houver oportunidade de os levar a uma peça de teatro gratuita agarro-a logo. Temos de abrir as portas a todos, seja no teatro, seja na cultura, ou na música. Agora, é evidente que há alunos que têm acesso a mais coisas e outros a menos. Começa aí a clivagem. Mas a escola tem de ser um contraciclo.
Ao mostrarem a essas crianças que existem outras realidades, a vossa intenção é interromper os ciclos de pobreza e de marginalidade?
Queremos mostrar-lhes que é possível sonhar, que há outros caminhos, que o destino deles não está traçado
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