Numa entrevista sobre os 70 anos do Hot Club de Portugal, o Bernardo Moreira (pai) diz que ninguém se atreve a reconhecer que acha o jazz horrível e que há tantas pessoas a gostar a sério de jazz como havia em 1948.
Percebo o ponto de vista dele, ele fala num ponto de vista mais aprofundado, daqueles que seguem isto. Há muitos que gostam e que ouvem, mas não são entendidos na matéria. Mas as coisas evoluíram muito nos últimos anos, sem dúvida, há mais músicos, mais público. Em parte ele tem razão porque muita gente vai porque é fixe ir a um concerto de jazz, fica giro, é chique, tem um bocadinho essa coisa, ainda. Mas pronto, faz parte, é assim que vamos ganhando público, ao fim e ao cabo.
Cresceu em Leiria, a 150 quilómetros da Praça da Alegria. O que o fez tornar- se músico de jazz?
Não estava pré-estabelecido, não tinha pensado ser músico de jazz, nunca na vida. Fiz o conservatório aqui no Orfeão de Leiria e depois comecei a frequentar workshops, com professores do Hot, que havia na SAMP antigamente. Eu e o meu irmão, que é mais velho, somos a primeira geração de músicos na família. Quando fizemos os workshopscomeçámos uma banda de dixieland, os Desbundixie. Com esses workshops fomos tendo o bichinho pelo jazz, fui ouvindo muito este tipo de música, jazz anos 20, gostava muito. A ida para o Hot já foi mais tarde.
Voltava a escolher o saxofone?
Não fui eu que escolhi o saxofone. Comecei numa filarmónica, a Banda Portomosense, não havia muitos saxofones e entregaram-mo. Mas eu identifico-me muito com o instrumento. Na altura tocava saxofone alto, depois com a transição para o jazz, mudei para o saxofone tenor.
Há grandes diferenças entre o som do seu primeiro colectivo – Desbundixie – e a música que compõe, nomeadamente no último álbum, Interchange. Com que ambiente mais se identifica?
Tento ter muitas e variadas coisas a acontecer, o que me obriga a ser o mais versátil possível, adaptando-me ao contexto. Tenho a banda dixie, toco em orquestra, tenho o meu quarteto com música que escrevo. É difícil dizer de qual gosto mais, dão-me prazeres diferentes.
A propósito do Interchange e de uma crítica positiva na revista norte-americana Downbeat, o Miguel Esteves Cardoso escreve que a música jazz é bem capaz de ser a coisa que mais melhorou em Portugal nos últimos tempos. Concorda?
Sem dúvida. O jazz evoluiu mesmo muito. Basta olhar para a quantidade de escolas superiores que agora existem, cursos profissionais de jazz. No meu tempo só havia o Hot Club e uma escola superior de música, que era no Porto. Hoje em dia, a quantidade de músicos que saem, muitos miúdos, que vêm de todo o País, de repente chegam miúdos de 18 anos já a tocar incrivelmente bem, sem dúvida que o jazz se desenvolveu muito.
Ele também dá a entender que os músicos evoluíram, mas a aceitação social do jazz continua restrita a um círculo de elites.
É verdade. Como aumentou o número de estudantes e de músicos, naturalmente aumentou um bocadinho o público, malta que vai ver concertos, embora os estudantes devessem ir ver mais concertos e não vão muito. Mas, de qualquer das maneiras, o público ainda não presta atenção aos músicos portugueses, sobretudo o público leigo. É uma música difícil. Hoje em dia os estudantes estão a ter aulas com um professor e não fazem ideia do que ele toca, não vão ver concertos. É uma coisa que me faz alguma confusão. Quando fui estudar para o Hot Club, conhecia os professores todos. Hoje em dia há tanta informação que a malta dispersa.
Há mais gente a tocar jazz, mas não há tanta mais gente a ouvir música jazz.
É verdade. Hoje em dia o nível do músico português está igual ao dos outros países da Europa e dos Estados Unidos. O público se calhar não dá o devido valor aos músicos portugueses. Mas não é só na música. E temos músicos de topo.
Como é que olha para este último álbum no percurso e no conjunto dos discos que já editou?
Cada disco marca um bocadinho a nossa época, como pensamos a música, o que é que andamos a ouvir. Influencia- nos também naturalmente, com quem tocamos. Este disco acho que foi o meu melhor momento de forma em toda a minha carreira. E ainda bem que ficou registado. Os discos acabam por ser fases da vida musical ou pessoal. Quando somos músicos ou profissionais da área o currículo é uma coisa que temos de ir construindo. Gravar discos, o facto de ter lançado agora os livros, senti-me realizado. Defino muitos objectivos e metas e tento cumprir. E, até ver, tem corrido bem.&n
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